terça-feira, setembro 11, 2007

Capítulo Décimo Quarto - O fim do princípio

Descobri que escrevia muito mal há uns tempos atrás e não preciso nem voltar muito no calendário pra isso. Não digo que hoje escreva bem, mas melhor. Não tenho vergonha, faz parte de aprender, crescer e até viver, mas a melodia mudou e eu já saí do tom deste blog.
Deixá-lo-ei no ar para os saudosistas e para minhas saudades também. Tantos comentários e pensamentos não podem ser rasgados assim. Este é meu penúltimo post, o último virá com um endereço novo para mais pensamentos perdidos e escritos de melhor forma, espero.

Nos vemos por aí.

André Filipe

domingo, março 25, 2007

Capítulo Décimo Terceiro - Lacrimosa



Desde que parei de fumar nunca mais olhei pela janela. Que hábito estranho eu possuia, pois apenas com o cigarro permitia tirar uma pausa do mundo e observar incógnito a paisagem, a cidade. Que prazeres ocultos a nicotina esconde: o cinza vira uma cor até. Mas, alertado por muitos, privei-me daqueles minutos diários de observar por aquele retângulo de vidro. A justificativa muitas vezes vem plausível: viver mais. Que beleza, não?
O cigarro roubar-me-ia 15 anos de vida! Perderia o casamento de meu filho, ou o nascimento de meus netos talvez. E não teria a grande recompensa de saber que fiz minha parte como ser humano, passei meus genes à frente, fui responsável por criar parte de um futuro na história da civilização. A decadente e cega civilização terá um futuro graças ao meu suor. Dá quase vontade de agradecer por estar vivo ou querer viver mais nesse mundo doente.
Sim, o mundo é doente. Sofre de uma obsessão generalizada pela vida. Claro que vejo alguns dos bens que isso pode trazer, afinal tive felicidades em minha existência. Porém, a morte não iria colocar um fim em toda preocupação egoísta com felicidade? E não é a felicidade que realmente move o instinto humano? Nos ajustamos para sermos felizes. Aprendemos a andar, falar, ler, escrever, trabalhamos, consumimos, fazemos guerras para aumentar ou apenas sustentar nossa felicidade e tudo pelo motivo de termos sido criados com a errônea idéia de que é difícil ser feliz.
Agora já é tarde para desaprender essa receita, para esquecer que a satisfação só se encontra em desempenhar um papel e fazê-lo melhor que seu vizinho. Fica nua a vontade de viver mais: não queremos que o jogo acabe antes de estarmos ganhando e, quando ganhamos, não queremos parar de jogar.
A depressão, a desistência, a busca por um caminho novo (nem que este seja a morte), só estas são as verdadeiras filosofias. Os únicos sábios são os que já morreram ou que decidiram virar espectadores de toda essa doença global e cuja curiosidade por saber até onde pode crescer a ignorância alheia é o único vínculo com essa insalubre realidade. E não podemos fechar o círculo dessa segunda categoria apenas em torno dos apáticos, loucos e marginalizados. É mister incluir também os felizes incondicionais: todos aqueles que andam sempre com um sorriso no rosto apesar de quaisquer aflições que a vida os proporcione. Aqueles que por demasiada inteligência ou burrice nunca assimilaram a traiçoeira lição da felicidade vinculada ao esforço. Estes são os únicos felizes pois nunca precisaram de motivos para sorrir.
Os demais, que como em mim a Escola incutiu a tristeza como sendo o único estado inercial, vez que aprenderam a ser tristes não podem mais ser salvos senão pela morte. E uma ironia nesse quadro é: aqueles acreditando existir qualquer sorte após morrerem são os mais relutantes em erguer a mão contra sua própria essência rubra.
Malditas sejam as sutilezas das traquinagens religiosas que previram até isso, que passaram aos homens tristes a idéia de a felicidade encontrar-se Nele somente. Invejo e repudio esses que ainda carregam em si alguma esperança de que o consuetudinário há de levá-los a aguma redenção. Já cri nisso e já cri em Deus com tamanha vontade que desejei ser Ele e justamente nesse pecado encontrei minha libertação.
Que faria se fosse Deus? Talvez tornasse tudo mais fácil ou anulasse a existência, mas, provavelmente, faria o que ele faz e voltaria a fumar.

terça-feira, outubro 24, 2006

Capítulo Décimo Segundo - Cronicamente Viável

A vida não é suficientemente longa. Não encontramos o tempo de aprender e ensinar tudo aquilo que gostaríamos e, por revolta, alguns decidem encurtá-la. Não faço referência ao suicídio e sim à auto-destruição: bebidas, cigarros, esforços que nos levam aos limites físicos e intelectuais. A autofagia é ilógica, porém, poética. Ela encontra nessa poesia de viver não mecanicamente sua lógica e seu sentido expressivo.
A arte muitas vezes torna-se bela justamente por arrancar do artista um pedaço de seu sofrimento. Apropria-se dele, digere-o e forma assim sua identidade.

domingo, outubro 08, 2006

Capítulo Décimo Primeiro - Doenças Crônicas

Por que eu, nós, preocupamo-nos em demasia com a felicidade? Conseguisse desviar metade da energia que aplico nos pensamentos inquisitivos para – abstendo-me de palavras ou explicações lógicas – simplesmente ser feliz, é provável que fosse o novo Dalai.

Nada é assim, tão simples, porém. Aparenta quanto mais o desejo de tranqüilidade sobressai , maior meu arrebatamento e inquietude paradoxal da busca do calmo, do sereno. Mudam os tempos e aquilo que um dia referi-me como mar revolto, transmuta em maré mansa, sentado na praia, com brisa oceânica. (Ah, minhas aulas colegiais).

Confessionalmente, a única tranqüilidade que jamais encontrei revelou-se em aulas colegiais de biologia. Naquela época meeira, desinteressava-me tão enfaticamente aquele estudo que, recluso naquela carteira em meu canto da sala, a paz e plenitude vinha ao meu encontro sendo eu completamente absorto.

Talvez por isso, relevar completamente a felicidade, tenha, nestes instantes, sido feliz. Fato é que a felicidade dispara com absurda ligeireza assim rompida a inocência sobre a existência.

Faz-me rir a idéia de que a incessante busca pelo conhecimento seja sintomática: a infelicidade tomando nossos espíritos. Que nos difere dos animais, mostrando satisfação com sua natureza, somente ao suprir suas necessidades básicas?

Observo-os, incapazes de articular vontades e satisfazendo-as com notável virtuosidade, não se deixando abalar com pormenores. Matam-me de inveja.

Novamente, dou a inquirir a Sabedoria em busca de soluções grafáveis. Haveria, em algum momento da evolução, ocorrido mutação em nossa espécie? Uma combinação gênica que, enquanto nos faz capazes de descrever nossa natureza também impede de apreciar sem enfadonhos tudo que somos capazes de, por fim, entender plenamente?

Poderia alguém reprimir tão desgostosa condição?

Possível ser essa a consistência das doutrinas pregando a libertação da mente. Libertar-se não passaria de uma animalização em busca da felicidade. Mesma animalização bela por vezes encontrada na falta de ciência das pessoas que conseguem transmitir sabedoria mesmo sem conhecer palavras sábias. Nesses instantes, a vida é um mistério que, por sua natureza secreta, nos faz mais felizes.

Deve haver explicações escondidas dentro de mim, mas não carrego arrependimentos.

sábado, setembro 09, 2006

Capítulo, Décimo?

Não fiquei satisfeito, mas foi isso pro concurso da unicamp. Tenho duas cronicas pra colocar aqui, assim que tiver saco de digitar. Uma no papel, outra na cabeça.


Pra Juliana lembrar





Aquelas escadas, um dia tão grandes, agora mal cabiam num pulo. Os degraus, cinzas e frios, há muito tinham desbotado e esquecido a aspereza, gasta pelos sapados da moda de outra época. Abaixou-se com alguma dificuldade e tristemente acariciou a superfície suja buscando lembrar as brincadeiras daquele novo antigo saguão.

Conforme iam adentrando o apartamento surpreendentemente pouco familiar, com gravidade o corretor indagou da gravidez.

- Vai bem, sete meses já – respondeu tomando a aspereza perdida.

Quando criança, até a metade de seus anos impubescentes, havia vivido tranqüila e pueril naqueles prédios baixos. Sem irmãos, a garota delgada costumava debruçar nas janelas ensolaradas e ver os meninos brincarem no térreo. O sol, não mais aquecia aquelas venezianas e a sombra de tantos prédios esfriava a terna vista. As crianças haviam ido para tantos outros lugares e ficaram, reclusos naquela capital autofágica, apenas seus envelhecidos pais.

Sentiu o enorme peso da barriga fraquejar as cansadas pernas e, na sala de memórias, acomodou-se numa poltrona puída, abandonada por algum antigo morador.

- Esta sala – puxou o corretor calvescente – é bem ampla. Com uma nova pintura e uma decoração apropriada, será um ótimo lugar para criar seus filhos. Seu marido...

Desfazendo o sorriso falso no semblante, curvou-se levando a mão à barriga e expressando algo como uma ligeira dor.

- Está tudo bem?

- Claro, foi só uma pontada. Gases provavelmente – adorava como a gestação era oportuna para abortar conversas indesejadas – mas irei verificar sobre o apartamento e retorno para o senhor até amanhã.

No táxi até a rodoviária e novamente no ônibus até sua cidade, foi revendo suas anotações dos diversos apartamentos visitados, espalhados em sua passageira mesa natural. Entre um e outro chute do bebê, pensava se queria dar-lhe a mesma infância que tivera.

- Para Juliana, a mamãe pensando.

A declaração atraiu sorrisos de simpatia de uns três passageiros que tiveram de ser retribuídos. Voltando a tentar se concentrar na tarefa de escolher um lar, notou a recorrente intuição que compelia a escolher e rejeitar aquele último apartamento. Pensou nisso por toda viagem sem chegar a conclusões satisfatórias.

Logo chegou em casa, contou a mãe que seu antigo apartamento estava vago.

- E vocês vão alugar? – indagou a futura avó precoce.

- Não sei, tem que ver com o Juan.

- Mas melhor tomar pressa, de hoje a uma semana, ele tem que estar lá. O seu Oswaldo conseguiu-lhe o emprego de muito bom grado, mas só porque seu pai e ele são amigos há muitos anos. E não fosse você desse jeito, nem teria pedido. Você bem sabe, Julia, que ele nunca gostou muito do seu namorado.

- Ultimamente nem eu tenho gostado - confessou.

- Conversa de grávida que só diz o que os hormônios querem. E seja como for, agora já faz tarde para não gostar mais.



Convenceu-se. Iria pegar aquele mesmo. E convencer Juan não seria difícil, já que estava às cegas em relação ao apartamento. Não fossem seus exames finais, poderia ter ido junto ajudar na escolha, mas tardava o ano e ele nunca fora um aluno brilhante. Somente uma ou duas provas mais e ele estaria formado no terceiro ano e pronto para começar uma vida com uma futura esposa e um menos futuro filho.

Passados alguns dias, tudo estava acertado e Juliana ficava cada vez mais inquieta. Por isso, Julia carregou poucas coisas (algumas sacolas e roupas) da escassa quantidade amontoada para a mudança. E chegada a hora de descarregar, ajudou ainda menos, apenas levou duas sacolas em sua única subida dos três lances de escada. Por recomendações médicas, qualquer esforço maior deve ser evitado no ultimo trimestre.

Com o tempo, veio a se acomodar novamente naquele espaço. Os ladrilhos do banheiro lembravam-na de antigas historias, como os inocentes banhos que tomava junto a seus primos e primas na banheira. E, nem passada uma semana da solidão ali, desistiu do projeto de ler mais e passou a inventar novas decorações para a sala sem sofá, a cozinha com sua mini-geladeira ou o quarto com o colchão ao chão e o berço novo, imóvel, ao lado.

Chegadas as noites, contava suas idéias para o, agora, noivo (após um pedido nada romântico, no dia da mudança, para ser a senhora Delagro) que reagia apenas com frases como "Interessante" ou "Não temos dinheiro para isso". Era apático, mas isso não a incomodava mais. Desde sua chegada, talvez por não ter outra companhia além das velhas amigas da mãe que apareciam eventualmente para fofocar, ela passou a amar aquela inquieta criança, Juliana. Pensou que isso só aconteceria após o parto.

- Pára, Juliana, a mamãe tá desenhando.

Os dias já eram todos iguais e a rotina de dona-de-casa, grávida, que não amava o pai da filha passou a não lhe incomodar mais. Não se deixou abalar nem quando numa briga ele declarou "Só estou com você porque está grávida".

Decerto houveram desculpas, flores e infinitos "eu te amo" depois , porém nada realmente lhe tirou a convicção de ser verdade para ambos.

Estava no oitavo mês quando notou que Juliana já não se mexia mais havia algumas horas, era noite, e tão logo o noivo saiu na manhã seguinte, correu para o médico.

Uma série de testes e amostras de sangue depois, ela foi chamada para a sala do doutor:

- Dona Júlia, eu sinto muito, mas a senhora sofreu um aborto.

Após um certo alívio, seguido de uma profunda tristeza, ela desandou no choro. Decidiu não se internar naquela hora e fugiu do hospital para casa quando ninguém percebeu. Já em casa, chorou por horas seguidas enquanto pensava se, num caso desses, seria feito um pequeno caixão para sua filha morta.

Preparou-se um banho quente, entrou na banheira, pegou uma lâmina e, perfurou ambos os pulsos. Primeiro o esquerdo, com dois centímetros, depois o direiro, com apenas um. E com os braços dentro da água que esfriava, desfaleceu.

"Serei eu mesma o caixão de minha filha", dizia o bilhete que encontrei na pia naquela noite. Assim é a história de como perdi, em tão pouco tempo, um mundo que não pedi, mas meu, e teu, minha pequena Juliana Delagre.

Juan

sexta-feira, junho 02, 2006

Capitulo Nono

Terceto

Ela passava roupa na sala enquanto, no quarto, a filha mais nova fazia alguns barulhos. Cada nuvem de vapor do ferro de passar a fazia sonhar um pouco mais alto. Lembrava até, de quando mais nova, o cheiro da roupa quente que a mãe pedia para carregar. "Não amassa a camisa do pai", dizia, e novamente o vapor a trazia ao presente.
- Sarah! Vem me ajudar menina.
Que será que anda fazendo essa garota? É a terceira vez que chamo.

Na cama, a menina gemia de frio enquanto o sol batia levemente em seu corpo nu. A camisa engomada na porta do guarda roupas lembrava-a de ajudar a carregar a roupa.

O cheiro do feijão cozido já chegava à sala: era preciso desligar o fogo. Não posso deixar essa roupa assim. Alguem tem de olhar a comida:
- Ô Sarah! Mas que saco!
Depois que a mais velha mudou-se para a cidade, ela devia ter começado a ajudar um pouco mais, mas depois desse tempo, até agora nada.
Suava. O vapor quente no rosto, o sol escaldava na janela e a panela ia apitar a qualquer instante.

Rolava desconfortável na cama e a lã das cobertas sob seu corpo lhe fazia coçar as coxas. Tinha de se levantar, enfrentar a situação. Vou contar para ela hoje.

A panela soou o esperado apito. O cheiro da comida já chegava ao quarto.

Ela largou o ferro sobre a tábua e correu para desligar o fogo.

A filha correu para a cozinha e percebeu seu atraso. Havia esquecido até as preocupações naquele instante: a panela apitou avisando o feijão pronto e o arroz queimado. Que descuido o dela!

- Sarah, por que não desceu antes?
A caçula, tímida, não respondeu e começou a arrumar a mesa.

Abriu as janelas para sair o cheiro do arroz queimado e pensou na mãe. Ela vai compreender, já passou por isso também. Pousou a mão no ventre nu.

O ferro havia tombado e feito uma feia marca amarela na ponta da camisa. Não faz mal, fica dentro da calça. E olhou a menina dispondo os pratos: essa não tinha jeito, devia ser mais como a irmã.
Era curioso. A mais velha nunca conheceu o pai, passou a infância ajudando a mãe e conheceu o peso de um estomago vazio. Essa, sempre teve tudo e ainda, era tão mais rebelde que a outra.

Como mãe temia o futuro. Que será que iria aprontar quando crescesse?

A filha decidiu fazer uma ligação importante. Pensava ter um pequeno ataque cardíaco a cada toque do telefone. Foi então que ouviu a tão familiar voz:

- Alô?
- Oi...
- Oi meu amor! Tudo bem?
- Estou esperando um filho.

Sarah empalideceu. Não sabia o que a mãe havia escutado mas assustou-se com a expressão em seu rosto. O telefone foi ao chão.

Ela rapidamente pegou-o e ouviu um choro miúdo.
- Quem está falando?
- Sarah, cuida da mãe que eu estou voltando pra casa.

No final, pensava a mãe: eram as três todas iguais.

sexta-feira, abril 07, 2006

De repente...

Soneto da Separação
Vinicius de Moraes

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto

- De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama

- De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

- Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

terça-feira, janeiro 03, 2006

Capítulo Oitavo - Dos riscos

Aqui está minha primeira tentativa de crônica, vejamos a aceitação. Comentem.

Tudo que precisa é uma mentira


Ela é um amor de menina, mas será que ela mentiu? Não estou chamando-a de mentirosa, claro que não. É que o fato me despertou a curiosidade. A declaração de amor seria verdadeira ou um simples cumprimento protocolar para a boa convivência? Antes que essa ideia fique mais-que-confusa, vou contar um ocorrido.

Numa dessas conversas virtuais que levavamos uma amiga e eu, fi-la saber da existência de uns escritos meus. Demonstrou pronto interesse e, havendo passado-se não mais que um minuto, veio o veredicto: "Amei!". Por mais que o resultado tenha sido positivo, deu-me uma cisma. Era impossível que tivesse lido mais que alguns parágrafos do menor dos textos mesmo que o fizesse com grande velocidade. Que fazer?

Ponderei as opçoes e sutilmente mostrei-a minha inquietação. Justificou ter corrido brevemente os olhos e desfrutado rápida e prazeirosamente do conteúdo.

Será que ela mentiu? Mas ela é um amor de menina!

Foi então que dei-me fazendo também, uso tão leviano da palavra amor. E como agravante: no reino de minha própria consciência! Daí o motivo de toda essa vã filosofia: estaria a palavra em si perdendo seu valor clássico e dando espaço para nova expressão mais intensa ou seria apenas um sintoma de que o Amor está tornando-se ordinário? Convenhamos que a segunda teoria é a mais desesperadora em uma geração adestrada pela mídia para acreditar nos ideais do "mais nobre dos sentimentos". Afinal, amar não é quando todos os filmes e músicas começam a finalmente fazer sentido?

Ainda com tantos exemplos, fica difícil dizer onde estão as tão abstratas fronteiras do sentimento, pensar se é tudo um estado de espírito ou ainda um mal que aflige a frágil natureza humana. Amor de irmão, amigo, de mãe, de filho ou carnal (e deixem os freudianos se preocuparem com os intermédios), seriam todos parentes por sobrenome ou uma simplificação de idéias completamente diferentes? Me sinto mais confortável ao aceitar a segunda hipótese. Abalar um não deveria refletir noutro, afinal, nenhuma vez que minha mãe falar que me ama quero pensar: "Será que ela mentiu? Mas ela é um amor de menina!".

segunda-feira, dezembro 26, 2005

sexta-feira, 23 de dezembro de 2005

Capitulo Sétimo - Pausa para reflexão

Pedir a sinceridade daqueles cujos caminhos levaram as pegadas frescas do meu cantinho do mundo, talvez seja pedir em demasia tarde. Relativa como só ela, a verdade muta moldada nos frios dedos do tempo, mas continuo a ignorar isto até que o tempo tenha se sobrepujado, restando apenas lamentos e divagações.
Daí, indago se existiria alguma verdade absoluta e os trilhos da vida já foram todos alinhados. Se a esperança sempre foi uma traquinagem do destino, buscando satisfazer seus desejos mórbidos e regalando-se a cada obstáculo pré-imposto apenas para adiar o gozo final da morte. Seria a crueldade então, a única verdade absoluta?
Por algum motivo besta, ainda não consigo acreditar nisto. Mesmo sentindo a pele estreita me impedindo o crescimento e deixando que cada transeunte leve consigo um pedaço d'alma, sou um descrente e um diminuto.
Cada ponto de chegada é uma nova largada, mas que fazer quando parado em trânsito e os tijolos amarelos todos perderam a cor? Não há caminho de volta nem por onde seguir. Passamos a ser estátuas sofrendo a ação dos elementos, náufragos em alto mar maculados pelo sol e esperando a morte certa.
Melhor cessar com os recessos e enfrentar a realidade cada vez mais perto do sono: meu cantinho do mundo está cada vez mais vazio.



Chega De Saudade

Vinicius de Moraes

Composição: Tom Jobim/Vinícius de Moraes


Vai minha tristeza
E diz a ela que sem ela não pode ser
Diz-lhe numa prece
Que ela regresse
Porque não posso mais sofrer
Chega de saudade
A realidade é que sem ela
Não há paz Não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim
Não sai de mim
Não sai
Mas, se ela voltar
Se ela voltar que coisa linda!
Que coisa louca!
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos
Que eu darei na sua boca
Dentro dos meus braços, os abraços
Hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, colado assim, calada assim,
Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio
De você viver sem mim
Não quero mais esse negócio
De você longe de mim
Vamos deixar esse negócio
De você viver sem mim...
quarta-feira, 14 de dezembro de 2005

Capítulo Sexto - Do ponto imóvel

Após um bom tempo me abstendo deste blog, finalmente um post. Sem mais.

Roda, moinho.


Ele abriu os olhos, ainda inquietos, como se despertasse subitamente de uma pesadelo. Julgou e condenou a própria insônia. Sentou-se na cama, observou a esposa por alguns instantes avaliando sua respiração. Encarou-a e perdeu-se no tempo, não se sentia acordado e tampouco dormindo. Esfregou os nós dos dedo e tentou inutilmente estála-los inumeras vezes, antes de perceber a dor que causava nas mãos.
Rumou à ampla sala do apartamento e sentou num canto, no chão. Não sabia explicar, mas decidiu por de lado as comodidades da mobília. Do canto, a sala parecia diminuir. Lembrou da mãe, dos amigos que foram, sentiu o peito apertar. A sala continuou a diminuir. A saudade veio. O ar faltou. Os dedos doíam. Tinha que sair. Lá não cabia. Quarto. Calça. Tênis. Porta. Escada. Rua!
Enquanto os pulmões se enchiam da brisa fresca, notou o relógio da alta torre na avenida próxima. Três da manhã. Correr pareceu-lhe boa idéia. Girou para a esquerda sem nem perceber os olhares questinadores do porteiro e deu-se velocidade. Primeira volta na quadra: havia muito que não se dava o tempo de apreciar o sereno caindo à fraca luz dos postes da rua. Segunda volta: os indigentes lembravam gárgulas, apenas com os olhos animados que o acompanhavam pela rua. Terceira volta: sentiu o sangue quente levar um pouco do esquecido vigor às suas velhas pernas.Quarta volta: pulou mais uma vez as crianças de pedra e parou de pensar. Quinta volta. Sexta volta. Sétima. Oitava? Perdeu a conta e acelerou.
Já nem sabia mais dizer quanto tempo passara. As padarias começavam a abrir e o cheiro do pão fresco embrulhava-lhe o estômago. Os primeiros raios de sol chegavam enquanto sereno e suor misturavam-se encharcando e resfriando o corpo cada vez mais quente ao disfarçar as lágrimas que escorriam.
A respiração falhava, o peito gemia. Os músculos gritavam. Sua cabeça ia cada vez mais rápido. Pensava em tudo e nada. Acelerou. Mais uma volta. E outra. Outra. Ia chegar em algum lugar, tinha certeza. Ia quase completando outra quando sentiu uma lança transpor seu peito. Foi ao chão, catatônico. Viu o porteiro, a esposa, as luzes piscantes da ambulância, os paramédicos... Infarto do miocárdio. Nada ouvia. A ambulância fez mais uma volta à procura do caminho mais rápido. Morreu a caminho do hospital tentando lembrar em que volta do mundo ficou a felicidade.
quinta-feira, 27 de outubro de 2005

Capitulo Quinto - Da areia e da ampulheta

Quanto tempo é tempo o suficiente? A resignação vai, vem, sibila um pouco em cada canto. Vem também, o medo da aceitação. O Tempo há de resolver.
A saudade faz-se cada vez mais viva, e sobre mim, é só o que tenho a dizer. Pros leigos hoje tem uns textinhos, um do Saint-Exupéry e um meu, não necessariamente nessa ordem.O do Saint-Exupéry decidi colocar devido a pegunta que me faço: quanto tempo de luto é tempo o suficiente? Creio que nunca vou superar isso, faz parte de mim agora. E depois do meu texto, coloco as letras da música que cito, meio que uma bibliografia.

Texto 1:

La Casa


"Como se faz uma casa?". Pensava eu, sentado à guia, à calçada, olhando os trabalhadores e suas enxadas. Cada saco de cimento vai levando um pouco de história, e o futuro que ele carrega torna-se quase palpável. Enquanto o sol ardia logo acima, as sombras se estreitavam e avaliava comigo mesmo se, aqueles ali na labuta, sabiam o que estavam construindo. Não digo da capacidade do mestre de obras, mas se sabiam que cada tijolo do quarto do bebê ia ter a história de uma vida pra contar. Nessas ponderações meio que desconexas, me veio à cabeça uma musica de Sergio Endrigo e coloquei-me a cantar em voz alta:
- Era una casa molto carina, senza solffitto, senza cucina...
Foi quando sentou ao meu lado um dos carregadores de cimento para servir-se do almoço. Já haviamos travado conhecimento anteriormente, e logo perguntei:
- Ei, amigo, como se faz uma casa?
Estranhando um pouco a pergunta, foi-me respondendo lentamente a pergunta entremeio as mastigadas:
- Cava-se a fundação, prepara-se o terreno...
E foi me bombardeando com dados técnicos que não me despertaram interesse, não naquela hora. Buscava saber quais as fundações da casa da música. A casa engraçada, sem teto, sem nada. Como sustenta-se uma casa sem paredes?
Nessa hora, quando as palavras do colega pareciam distanciar-se qual num barco pro horizonte, dei-me conta da casa que era descrita. Percebi que em cada memória de todas as casa que já conheci, a cor das parede era coadjuvante. Também o teto, chão e todo resto, apesar de serem a cola de tudo, não faziam a casa. A casa acontecia entre eles, tinha vida, e os protagonistas passeavam tornando, mesmo as pré-fabricadas, únicas com suas histórias. A casa em si, cimento e colunas, virava efêmera.
Levantei-me, agradeci a explicação, e andei no meio de todas aquelas casas enquanto projetava a minha, sem usar um único grão de areia.

Letras:

La casa
Sergio Endrigo


Era una casa molto carina
senza soffitto, senza cucina;
non si poteva entrarci dentro
perché non c'era il pavimento.
Non si poteva andare a letto
in quella casa non c'era il tetto;
non si poteva far la pipì
perché non c'era vasino lì.
Ma era bella, bella davvero
in Via dei Matti numero zero;
ma era bella, bella davvero
in Via dei Matti numero zero.

A Casa - Versão em português, obviamente

Era uma casa muito engraçada
não tinha teto não tinha nada
ninguém podia entrar nela não
porque na casa não tinha chão
ninguém podia dormir na rede
porque na casa não tinha parede
ninguém podia fazer xixi
porque pinico não tinha ali
Mas era feita com muito esmero
na rua dos bobos número zero
Mas era feita com muito esmero
na rua dos bobos número zero

Texto 2:

Conheci, vocês talvez conheceram, essas famílias um pouco estranhas que conservavam à mesa o lugar de um morto. Negavam o irreparável. Mas esse desafio nunca pareceu consolador. Dos mortos devemos fazer mortos. Porque então eles reencontraram, em seu papel de mortos, uma outra forma de presença. Mas aquelas famílias impediam a volta deles. Faziam deles ausentes eternos, convivas atrasados por toda a eternidade. Trocavam o luto por uma espera sem sentido. E essas casas me pareciam mergulhadas em uma inquietude irremediável, muito mais dolorosa que a tristeza. Do piloto Guillaumet, o último amigo que perdi e que desapareceu no serviço postal aéreo, meu Deus! aceitei a morte. Guillaumet não mudará mais. Nunca mais estará presente, mas também nunca mais estará ausente. Desapareceu seu lugar à minha mesa, este ardil inútil, e fiz dele um verdadeiro amigo morto.

Antoine de Saint-Exupéry


É... é isso aí..
sábado, 15 de outubro de 2005

Capitulo Quarto - Do Condoível Recôndito

Para quem leu o capitulo terceiro, realmente espero que o hábito não tenha se feito em esperar a felicidade. Hoje sinto-me sinceramente triste. Quando escrito o capitulo anterior, já esperava que a vida me carregasse a felcidade pelas ações quotidianas, mas o baque foi maior que o esperado. Na repulsa e no luto vai o texto a seguir:


Epílogo


Nem sei se aconteceu no Rio, mas onde não importa. Acontece que nasceu, num dia desses aí, um garoto querendo dizer algo e ver umas coisas; só por nascer já dizia, todos viram. Depois, botou-se Rafael seu nome.
Deve ter visto muita coisa esse Rafael, porque, quando cruzou meu caminho, tinha a maioridade ainda fresca, mas palavras já maduras. O olhar aguçado por detrás da armação dos óculos e a boca escondida atrás da recente barba revelaram um amigo. Questionado da indentidade, apresentou-se Carioca.
Carioca tinha um jeito todo peculiar de levar a vida, fazia tudo parecer tão simples que chegava a intrigar. Era um paradoxo. Conseguia mostrar e esconder muito em cada gesto e brincadeira. Quem o conhecia sabe que não passou muitas vontades, deixou suas pegadas dentro de cada vida que cruzou. Foi do mundo sem ver muito do que planejou, mas sua maturidade deixou que outros vissem por ele.
Fazia jornalismo mas escreveu sua maior história antes de chegar ao fim, um pedaço dessa história está pra sempre em meu peito e um pouco ainda nessas linhas. Hoje ele descansa a sombra de um mundo errado e o antigo e o novo lamentam a obra-prima interrompida.
Carioca, você foi e deixou a saudades e a indignação.

André Filipe e Ligia Paganini


Para quem não viu, clique aqui

"A saudade é o revés de um parto. A saudade é arrumar o quarto, do filho que já morreu." Chico Buarque
domingo, 2 de outubro de 2005

Capitulo Terceiro - Do Ébrio

Ora, é com uma certa pontada de felicidade que escrevo agora nesse blogue. Mas não se acostumem não meus leigos, a felicidade vem, antes de tudo, daquilo que ainda corre em minhas veias. Da pupila dilatada, o algodão na boca, o ouvido tampado que coloca as verdades comuns do outro lado de um abismo e tudo mais que contribui pra euforia de sentir o mundo cada vez menos real.
Como estou sentindo meu rim trabalhar pra filtrar as "impurezas", vou escrever alguma besteirinha antes que que a felicidade vá pelo ralo, literalmente.

Antes das besteirinhas, algumas ponderações:

Perdeu!!!!
Se quiser falar comigo, qualquer hora e lugar.
Parabéns!
Tava com saudades.
Entendi porque te odeiam.

Cada um sabe qual o seu.

Besteirinhas:

Fazes tu?

Se depara com um mundo que enoja. Sente o odor putrefato de uma sociedade a cada fungada. Ah, e a vontade de parar de respirar? Sim, veio de novo mon ami. Mas e aí? A vontade aperta, o cheiro se torna cada vez mais insuportável e o nojo lhe corrói a alma. Hoje. Que fazes?
Seu tolo, tua hipocrisia é bem fugaz, mas não passa despercebida. Passa um dia, dois três e o hábito lhe amansa os favores. Vai negar? Ainda está pisando à carniça, está revolto, quase que incontrolável, ainda assim, que fazes?
Faz abanar o malcheiro. Mas gritas aos quatro ventos que abanaste a podridão que emana sob teus pés. Esquece do teu hálito que cega desapercebido. Ameaça um pensamento disso e depois, que fazes?
Chora tua existência pra desviar o pensamento. Até que boa idéia, parece que as lágrimas afogam o cheiro. Fede igual. Teus olhos, agora embaçados pelo propósito ou providência, desviam para o céu e tudo fica mais bonito sem olhar pra baixo. Amansou o bicho bravo? Justifica: Pois é, eram apenas fases.



Quero dar um tiro em cada um que irá votar não no desarmamento.


Não podia faltar o poema. Mas hoje não original.


Consolo na Praia - Drummond

Vamos, não chores
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te - de vez - nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.




Era pra ter um do Manu Bandeira, mas fica pra depois...

E o mundo ainda tá girando.
segunda-feira, 26 de setembro de 2005

Capitulo Segundo - Do Segundo Que Já Foi e da Discussão com a Folha

Do meta ao beta.

Olha o que acontece quando tenho insônia:

Texto 1:

- Quando foi que nasceu?
- Sei lá, mas deve ter uns quatro anos agora.




Ninguem me contou

- Foi onde?
- Ali, bem no meio do mato. Nasceu qual bicho, qual o pai.
- Qual o pai?
- Sei lá também, a mãe diz que não tem. Digo eu que da terra é que não brotou pra subir pelas pernas não.

Joelho Junto nunca causou dor; Mas muita alegria também não.

- É o terceiro que ouço.
- Ouviu até que pouco, teve muito mais depois que partiu.
- E onde estão?
- Nas escolas, nas quinas das esquinas.

Dificil te ouvir assim.

- Mudou.
- Nem tanto.
- Devo ter mudado mais e tudo tá igual. Depois que parti, me parti. Guardei os restos e as raspas.
- Não me cabe julgar.

Cabe a quem então?

- Cabe a quem então?
- É.
- Até.
- É.

Texto 2:

São doze. Doze vezes duas vezes doze. Esse número inda teima. Número teimoso. Me recuso a tentar entendê-lo, mas ainda assim: doze são.

Quem és, sentado aí, no escuro?
Sai desse jogo, sai desse mundo. Tira essse muro

Você, sentado aí, no alto?
Rola no povo, canta em coro. Pisa no asfalto

Tuas mãos parecem seda.
Teus pés tão calejados.
Os braços são fechados.
As pernas são abertas.

E ele, sentado alí, distante?
Aprende a correr, lembra sorrir. Tira dali.

Por que, sentado aqui, tão baixo?
Pra se erguer, se redimir. Me encaixo?

Tá. Doze versos, feliz???


Texto 3:

Carta:

Com que direito me ensinaste a amar? Bah! Sou melhor que o plágio. Discuto sim, a saudade. Hoje, deves ser outra, mas ainda te lembra do carinho? Das mãos suadas, olhar inexperiente, inocente?
Tinha em mim todos os sonhos do mundo. Bah novamente! Já disse! Tinha em mim você. Achava que seria pra sempre, e de certa forma, foi. Me deu teu primeiro beijo, te dei meu primeiro beijo, nos demos as mãos e foi assim nosso amor.
Todo amor tem um pouco de ti, talvez por ter um pouco de de mim. Nunca disse que te amava, pena. Foi uma das poucas verdades da vida. Será que ainda te amo? Certeza que na lembrança sim.
Decidi! Nunca mais quero ver-te. Só assim posso te amar pra sempre.
Menina loira.
Olhos fundos.
Corpo raso.

Até nunca, para sempre


Se consegues dizer o que sentes, és um tolo limitado. Nenhum sentimento deve caber num papel ou jamais caber dentro de ti.
sábado, 24 de setembro de 2005



Capitulo Primeiro - Da Lassidão e da Lascívia



Nota bem que aquilo que me traz é facilmente aquilo que há de me mandar embora. Não tenho por ti mais respeito do que já me demonstrou merecer(nenhum) e assim que o quiseres, conquista-o. Até lá, sou indiferente e nem palavras nem pedras vão obstar às minhas.

Conquistada então tua animosidade, ó meu estupido leigo, lê esse textinho escrito quando o humor era um poco melhor. Mas não te enganes, nunca foi pra você.



Sofá Vermelho




Diz-me o tio do Chico, sentado aqui ao meu lado, que pertencer é integrar um todo. Não vou concordar ou discordar, mas creio que cabe um complemento à essa descrição.

Pretencer...Essa palavra me desperta um conceito muito interessante. Representa o mesmo que um velho sofá, vermelho e remendado, na antiga casa de minha avó. sentia ser inconcebível entrar àquela casa sem me deparar com aquele velho monumento de cento e tantos quilos que, por incontáveis tardes, embalou meus sonhos com seus barulhos, cheiros e traquejos eternamente familiares.

Aquele sofá definitivamente pertencia àquela casa, tirá-lo de lá seria pecar, quebrar um encanto, como se a carruagem virasse abóbora as dez e meia da oite. Não digo que a casa não seria a mesma sem tal móvel, ouso dizer que sem ele, a casa deixara de ser.

Quando reviro a gaveta de minha memória a procurar o significado de certas pesoas em minha vida, me deparo com o sofá vermelho; com a exata quantidade de molho na lasagna de minha mãe; o cheiro da casa de praia depois da chuva e tudo aquilo mais que me ensinou o conceito de pertencer.

Hoje, fecho os olhos e torna-se claro que algumas pessoas são esses sofás na minha alma. Tirá-las daqui de dentro iria descaracterizar quem sou, seria tirar uma colher do molho, levar o cheiro e os outros sentidos todos de minha gaveta. Seria uma cadeira vazia à mesa.

Quero então, meus sofás, ainda na minha sala e mesmo quando houver buracos nas almofadas, amanhã encontraremos remendos vermelhos pra cobrir. Vocês pertencem aqui, e lembrem disso quando se sentirem deslocados em qualquer lugar.




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